sábado, 17 de abril de 2010

Somando ilusões


“Em que espelho ficou perdida a minha face?”

Cecília Meireles

"Eterno é tudo aquilo que vive uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade que se petrifica e nenhuma força o resgata."

Drummond


... como é intraduzível em palavras aquele momento em que nos deliciávamos com a imagem de nossas vidas unidas, o momento em que ficamos ali, a somar nossas ilusões ¹, na frente daquele estreito espelho.

Formávamos uma espécie de junção perfeita. Tua pele morena desmanchando-se na minha parda, teus dedos completando os que faltavam das minhas mãos, nossos olhos brilhando de tão enamorados. Umas madeixas minhas cobriam meu dorso, me fazendo, de forma ilusória, parecer quase bela. Tua voz impregnando-se docemente nos meus ouvidos, ‘Formamos um lindo casal’, e eu assentindo com o sorriso satisfeito. Não lembro como eu ou tu estávamos, lembro da tua metade e da minha metade refletidas, um copo de vodka levado a boca, o ambiente a meia luz e o velho espelho estreito. Aquele foi nosso único registro fotográfico. Sem muita luz, sem câmera, mas a fixação da imagem na retina e os laços invisíveis que havia ² perduram até a eternidade do presente momento. Provavelmente são evidências que me seguirão por toda minha caminhada. Seguem docemente ao meu lado, enfeitando meu jardim de fantasias e meu acervo de memórias inesquecíveis. E junto dessas lembranças, segue a certeza da felicidade que colhi de tua presença, de teu amor e teu acanhado acalento...


¹ Passagem de ‘Dom Casmurro’ de Machado de Assis, onde o protagonista relembrava tardes com Capitu.

² Música ‘Fotografia’ de Leoni.


Rosália Souza