domingo, 3 de janeiro de 2010

Ano novo, vida velha


“O que será que será
Que dá dentro da gente e que não devia
Que desacata a gente, que é revelia

(...)

O que será que me dá
Que me queima por dentro, será que me dá
(...)

Que todos os tremores me vêm agitar
Que todos os ardores me vêm atiçar
Que todos os suores me vêm encharcar”

Chico Buarque, O que será


Ano novo, vida velha


[E viva o clichê, que antes da chatice de ser uma repetição, é uma boa verdade]


Quando parece que é impossível tomar alguma atitude, qualquer ação é tranqüilizante. Estava começando a achar que ficaria surda com aquela guerra idiota de quem tinha o som mais alto com a letra mais inútil. Sem contar na chuva fria que molhava meu corpo com intervalos irritantes. Por convenções sociais, achei que sair dali não era o melhor, apesar de desejar muito. Também não parecia muito prudente gritar com o vencedor da batalha, o que era muito cativante. Tinha que fazer algo. Tudo que consegui foi falar emburrada: vou dar uma volta.

Só tinha vontade de andar sempre em frente e que ninguém me observasse. Eu sentia uma intensa impaciência para com tudo. Andava pouco preocupada em voltar, estabelecia a frente um limite que sempre quebrava, ficando mais longe da partida e buscando tranqüilidade.

Em certo limite, que não pretendia quebrar, parei e virei à direita. Brinquei com os pés na areia molhada e suave, fazendo desenhos surrealistas com as cores negras e modorrentas. Avancei um pouco, era hora de brincar com as texturas e os estados físicos. Pequenas pedrinhas me faziam cócegas, fingindo machucar; a água salgada contornava minhas panturrilhas, como fazem com qualquer obstáculo. Senti uma força restituidora na água, me puxava sussurrando: vem para onde tens medo, aqui esquecerás tudo e todos. Mas eu não podia ir, naquele momento não sentia medo, sinceramente, já me sentia tranqüila. Diante disso, só podia ir embora. Dei três passos para trás, me despedindo, respeitosamente, da imensidão.

Mirei meu local de partida e fiz dali meu ‘novo’ destino. Não era bem o que eu queria, mas sabia que ali seria suportável a partir daquele momento. Na realidade, não era um bom lugar a retornar, o céu estava cinza somente sobre aquele local, eu sabia que a chuva voltaria. Chegando lá, eu não sabia que poderia, pontualmente, estar tão correta.

Meus primeiros passos naquela área começaram a ser molhados pela água que vinha pelo ar. Incrível como realmente era tudo mais suportável: consegui sorrir gentilmente para os pingos de água. É chata essa certeza de que as respostas estão dentro de mim. Mas é assim é que é. E, desse ofício, nenhum ser humano pode se descumprir.


Rosália Souza