Depois de certo tempo imersa em pensamentos banais, atentei para o espectro aurífero que inundava o quarto. De espanto, abri as janelas: o céu cobria-se de uma vestimenta encardida, os ventos eram fortes e as folhas agitavam-se, igualmente a mim, espantadas.O vizinho insistia em escutar o velho Gonzaga, sem se preocupar com a janela aberta que deixava entrar toda a ira divina.
“Nasci em meio a essa ventania”, lembrei-me! E enquanto lembrava e formulava um verso para aquele retrato, ela veio, silenciosa e anunciada, com seus membros diretos e impactantes, com sua tenacidade dissimulada e sua natureza deslumbrante. Quis molhar a face, recordando, quando, aos meus 12 anos, por volta, eu a esperava na rua, de olhos e peito abertos, e não como hoje, aos quase 18, atrás de uma grade, escondida ao canto da janela, admirando-a distante como algo intocável e cortante.
Antes eu sentia tudo como textura, hoje eu descrevo ternura: a imagem que os sons, os sentidos e os sentimentos me passam. Não me sinto mais triste nem mais feliz, só diferentemente encantada.
O prazer se renova, se revigora, se translada, mas sua essência é irrevogável.
Rosália Souza