terça-feira, 28 de julho de 2009

Sinestesia


Até então, eu não havia planejado definição para que tipo de rosa minha vida me vestia. Foi quando avistei uma intrigante, misteriosa, poética e, meu deus, amarela! Não amarela como os raios de sol que exalam vida nas madeixas dos musos do Parnaso, mas amarela de velha, seca, uma postura murcha, esturricada mesmo dentro d’água. O que na realidade era busca de uma bela foto, tornou-se a busca do meu ser, tornou-se uma inquietante queda no abismo do meu ser.
Me encostei na janela, em busca de boa iluminação, tomei o vaso nas mãos com todo cuidado possível – afinal não poderia perder a bela foto. Acontece-me, então, inevitavelmente, a vontade de cheirar aquela rosa falsamente esguia. Senti como se estivesse resgatando um sopro de vida esquecido, minha alma parecia se fundir àquela imagem em sépia. Seu cheiro era forte em demasia, tão penetrante e instantâneo que fui capaz de ali mesmo, imersa na pouca luz daquela janela, formular toda esta poesia. Era forte e decepcionante. Tinha cheiro de mel! Uma verdadeira peça do destino, nada me enoja tanto como o gosto do cheiro do mel! E foi assim que compreendi, transpiro o que odeio.

Resgatarei o olor genuíno de uma arfante rosa rubra e forte como, ao menos um dia, julguei ser? Quem saberá? Talvez eu mesma saiba. Tenho muitas folhas e pétalas ainda a cair – por ação do cruel tempo, das chuvas que inundam meu quarto, dos grandes pisantes que destroem meu jardim -, mas tentarei sempre lembrar que logo após meu destroços caídos e arrancados pelo vento feroz das ventanias inquietas, existe também a renovação da minha fortaleza, pétalas encantadoramente marcantes, bem delineadas e penetrantemente rubras nascendo, tentarei sempre lembrar, que meu jarro vazio está sempre cheio de ar.


Rosália Souza – supostamente 28/07/09

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Essência



“Me veja assim
limpa e sem adornos,
somente contornos,
todos sem fim.

Assim me goste,
me toque,
me sinta,
me enamore.

Me veja sem luxo,
enfeites ou amores,
com expressões sem horrores.

Me sinta como sou:
apenas quente e pura
como um gole de cachaça ¹

¹ Cordel do fogo encantado – Pedra e Bala

Rosália Souza

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Versos teus



“Estes versos repletos de ternura são
versos meus, mas que são teus”.
J.G de Araújo Jorge.

Não me reconheço quando me pego de lábios contraídos involuntariamente enquanto penso em ti, quando tanto me encanto enquanto entrelaças teus dedos nas tuas madeixas de raio de sol, que partindo a luz revela as sete cores dos sete mil amores ¹. Não sei quem me torno a não lembrar do tempo enquanto relembro tuas feições, enquanto ignoro minhas responsabilidades sem o menor constrangimento e ao desviar o olhar assim fixamente quando abres a porta. Sei menos ainda que danos me venham alcançar caso meus olhos não possam enamorar os teus em contemplação estática, caso meus lábios não constatem a doçura que julgo ter os teus.

¹ Música Luiza de Tom Jobim


Rosália Souza

ps. Jeff Buckley na foto